sexta-feira, maio 09, 2008

Vincent.


O sangue batizou a espada conforme ela rasgava a pele apodrecida das criaturas que se arremessavam na direção dela. No sentido contrário, o homem que a empunhava tomava impulso semelhante, tornando o choque ainda mais violento e os poucos transformava o piso sólido do galpão em uma espécie de pântano avermelhado e escorregadio de sangue.

As roupas negras estavam encharcadas. Não sabia dizer se aquilo era água do próprio corpo ou o sangue dos outros, não importava. Os cabelos negros e longos as vezes cobriam parte da sua visão, mas só tornavam sua figura mais impressionante – o brilho amarelado dos olhos por trás das franjas era assustador. O mais inusitado daquela cena, era, no entanto, o pequeno fio branco que ligava o aparelho de mp3 ao pequeno fone no seu ouvido – estava intacto.

“I’m feeling mean today, not lost, not blown away. Just irritated and quite hated – self controls brake down. (Estou me sentindo malvado hoje, não estou perdido, não estou surpreso. Apenas irritado e carregado de ódio – meu auto-controle se rompeu.)”

Movimentou a espada horizontalmente à frente do corpo e protegeu-se do choque de ombros de um homem duas vezes seu tamanho. Teve tempo de observar o braço do gigante descolando-se do corpo e caindo no chão conforme fez um segundo movimento, enquanto pulava para trás, golpeando uma criaturinha cinzenta que vagamente lembrava um homem que correu em sua direção pela esquerda.

“Why is everything so tame? I like my life insane, I’m fabricating and defeating you. I’m gonna kick around! (Porque é tudo tão sem graça? Eu gosto da minha vida insana, eu estou fabricando e derrotando você. Eu vou quebrar tudo!)”

Rolou pelo chão em uma cambalhota à frente e buscou com os olhos seu alvo do outro lado do galpão. A mulher de cabelos brancos tinha os cenhos franzidos e uma expressão de preocupação. Desviou de uma faca arremessada na sua direção pegando-a pelo cabo em uma velocidade alucinante e arremessando-a de volta contra uma garota jovem, assustada, de não mais de vinte anos que parecia deslocada naquele ambiente – não fosse pela camisa estampada “Eu sou uma Mutação”.

“Right now! Can’t find a way to get across the hate when I see you. Right now! I’m feeling scratch inside, I want to search and feel you. Right now! I rip apart the things inside that live beside you. Right now! I can’t control myself but I fuckin’ hate you. (Agora mesmo! Não consigo contornar o ódio que sinto quando vejo você. Agora mesmo! Eu sinto uma coceira lá dentro, eu quero procurar e sentir você. Agora mesmo! Eu arranco fora as coisas lá dentro que vivem ao seu lado. Agora mesmo! Eu não consigo me controlar mas eu realmente te odeio.)”

- Ah, Vincent... Porque você não esquece tudo isso e vai pra casa? Você é como eu...

Ele ergueu os olhos na direção da mulher e ela estava apenas à alguns metros de distância agora. Por alguns momentos os olhos amarelados pareciam tomados por uma coloração vermelho-sangue. Pulou para desviar do que pareceu uma lâmina passando rente ao seu ombro e ajoelhado, atravessou a lateral do corpo do homem que o atacou, a ponta da espada saindo do outro lado, “como um espeto”, ele pensou.

“You open your mouth again I swear I’m gonna brake it. You open your mouth again, by God I cannot take it. Shut up, shut up, shutup or I’ll fuck you up! (Se você abrir sua boca de novo eu juro que vou quebrá-la. Se você abrir sua boca de novo, meu Deus eu não agüento mais. Cala a boca! Cala a boca! Calaboca ou eu vou te ferrar!)”

Tomando impulso com os joelhos, saltou para frente, segurando o cabo da espada junto ao corpo com a palma de uma das mãos, a ponta da arma apontada para a mulher. Ela parecia assustada demais para mover-se, e ao vê-lo saltando naquela velocidade, não teria tempo nem se quisesse. Sentiu apenas o ferro frio atravessando seu ombro e quando deu por conta, encarava duas pequenas íris ovais, felinas, de um tom amarelo doentio.

A música do mp3 parecia dar o ritmo aos seus movimentos e quando ela terminou, Vincent manteve-se parado, segurando o cabo da espada e fitando os olhos de Faith – a mulher que um dia ele amou. Perdeu-se em pensamentos por alguns segundos fitando-a nos olhos, enxergava tudo de forma mais lúcida agora. Lançou um olhar rápido para trás e viu os corpos que rasgara em poucos minutos ao chão, não conseguiu conter um sorriso sádico com o canto dos lábios finos e rosados.

Até que a música começou de novo.

“Realized I can never win, sometimes I feel like I’ve failed. Inside where do I begin, my mind is laughing at me. Tell me why I’m I to blame – aren’t we supposed to be the same. That’s why, I will never change this thing that’s burning in me. (Percebi que eu não posso nunca vencer, algumas vezes eu sinto que eu falhei. Lá dentro como eu começo, minha mente está rindo de mim. Diga-me porque eu sou o culpado – nós não devíamos ser iguais? É por isso, que eu nunca vou mudar essa coisa que arde dentro de mim.)”

Com um movimento rápido ele removeu a espada que atravessava o ombro da mulher, espirrando sangue e tingindo o cabelo prateado de Faith de vermelho. Ela caiu de joelhos. Ele a levantou pelo pescoço com o braço, erguendo-a o mais alto que conseguia enquanto apertava forte com a ponta dos dedos.

“I am the one who choose my path. I am the one who couldn’t last. I feel alive for the pain. I feel the anger changing me. (Eu sou aquele que escolhe meus caminhos. Eu sou aquele que não poderia restar. Eu me sinto vivo pela dor. Eu sinto a fúria me mudando.)”

Vincent respirou fundo, moveu o pescoço de um lado para o outro, relaxando-o com dois estalos altos para em seguida deixar o corpo ferido de Faith escorregar até o chão indefeso. Ela respirava ofegante, enchendo o pulmão com todo ar que conseguia.

- Da próxima vez, Faith, não vai ser assim. Graças a você estão todos mortos. Você nos traiu. Da próxima vez... eu não vou ter compaixão. Eu não sinto mais nada – por você, por ninguém, eu sou só um corpo vazio e o vazio não tem medo – o vazio não tem nada para sangrar.

Limpou a lâmina da espada na própria roupa e guardo-a na bainha oculta dentro do sobretudo, deu as costas e com passos lentos partiu, desviando dos corpos estirados no chão.

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Observações:

Vincent é um personagem criado por mim, Faith é um personagem da Mai, o desenho é dela e as cores são do Thelder. Eles são personagens de um cenário de RPG antigo e ele é a minha personagem pessoal favorita, entre todos que eu já fiz. Já tentei 20 mil vezes tentar fazer um HQ dessa galera, mas nunca dá certo, hoje tava afim de escrever algum conto e decidi usá-los. Quem sabe não faço mais depois.
As músicas do conto são do Korn, chamam-se Right Now e Did My Time.