quinta-feira, dezembro 10, 2009

Mensagem Enviada com Sucesso



Ele caminhava pelas ruas iluminadas de Amsterdam, cambaleava e tropeçava nas pessoas que andavam no sentido contrário. Os cabelos negros bagunçados, os olhos marcados por noites sem dormir. Vez ou outra abria caminho com um dos braços, a outra mão segurando forte algo que lhe parecia muito valioso, embora na verdade não fosse – achava engraçado como atribuía significados especiais a coisas materiais sem muita importância, nesse caso, seu celular.

Embora estivesse em movimento, estava, na verdade, em espera. Imaginava-se parado e estático na frente de um desses pubs de iluminação avermelhada, parede de tijolos, onde Chet Baker provavelmente esteve algum dia bêbado e vomitando no chão. A música na sua cabeça, como não podia deixar de ser, era um trompete triste e depressivo de blues. Queria gritar, estava ansioso, não podia esperar, queria esperar, não sabia esperar. Não importavam-lhe os fusos e a distância, queria poder fazer com que tudo fosse perto, um piscar de olhos, um bater de asas.

Hora ou outra abria o celular e observava o LCD como se fixando o olhar sobre ele e desejando muito, alguma coisa fosse acontecer. Esbarrou em um homem pouco mais alto que ele com alguma força e achou que o celular fosse voar de suas mãos para dentro de um dos largos canais da cidade, imaginou-o escapando-lhe por entre os dedos, quicando uma vez no chão e pode escutar o som da água espirrando e engolindo o aparelho. Via sua cara de desespero, sua cara covarde de quem não pode fazer nada para impedir. Segurou o aparelho mais forte e respirou fundo. Pediu desculpas já a muitos passos do homem com o qual trombara e que pareceu pouco se incomodar – ou se quer notar – absorto também na sua espera.

Acreditava que todos esperavam por alguma coisa. Que todos, em seu íntimo, tinham alguma coisa por acontecer, alguma coisa que eles almejavam e aguardavam, que sabiam que aconteceria em algum momento – um momento que eles não possuíam o controle, mas que desejavam com toda a intensidade que fosse logo. Acreditava também que todas essas pessoas, como ele, temiam não estar prontos para esse acontecimento. Que ele chegasse em hora malquista ou que por algum motivo eles não pudesse lidar com ele, ou até mesmo percebê-lo chegar.

Parou em frente a uma loja de conveniência vinte e quatro horas, toda iluminada e bastante movimentada. Jovens entravam e saiam, ele observava. Sentou-se em um banco de madeira em frente a ela. Encostou a cabeça atrás e observou o céu cinzento e repleto de nuvens, ouvia o som dos passos, das bicicletas, do canal. Do celular. Ele vibrava entre seus dedos a alguns segundos, mas ele não sentira antes. Um momento de expectativa eterna precedeu o movimento das suas mãos, abrindo o celular, clicando automaticamente no aviso de “Nova Mensagem Recebida” e levando-o até os olhos.

“Não se preocupe, meu amor. Estou te esperando. Te amo, sinto sua falta. Volta logo. Beijos.”

Ele sorriu aliviado conforme os primeiros grãos de neve começavam a cair.

segunda-feira, novembro 16, 2009

O Convidado Surpresa



"e então tive a impressão de estar interpretando sorrateiramente uma cena e de ser ator de mim mesmo e dos meus sentimentos como se naquele momento não houvesse outra saída para mim senão imitar o que eu sentia e dar àquilo uma representação perfeita e padronizada segundo as leis confortadoras da ficção. Eu só existiria nesse esforço de falsificação e não no que eu sentia e naquilo a que não tinha mais acesso senão por meio de uma idéia pronta e simplista e aceitável e plausível e cômoda (...) o que numa situação como a nossa, era exatamente o que devia ser feito: suspender o tempo para fazer crer que o indizível se manifestava e arrastava consigo toda a tristeza enterrada do mundo e, afinal, talvez fosse verdade, sim, por mais que eu conhecesse esse silêncio artificial e fingido, e que não passa de um clichê, como se diz, contra a minha vontade me deixei levar e nele me engolfei e de repente me senti comovido e sincero e próximo dela como em nenhum momento desde que ela telefonou e tornei a vê-la..."

retirado de "O Convidado Surpresa"
por Grégoire Bouillier

quarta-feira, novembro 04, 2009

Toothpaste Kisses



Ela acordou primeiro, com cuidado, se desvencilhou dos braços dele, levantou-se da cama e foi até o banheiro. Escovou os dentes. Voltou, deitou-se novamente. Arrumou os braços dele em volta do seu corpo.

Ele acordou em seguida, os braços doendo, tomou cuidado para não despertá-la, levantou-se da cama e foi até o banheiro. Escovou os dentes. Foi até a cozinha, preparou uma bandeja com suco, frios, pães. Retornou.

Ela se manteve deitada. Fingiu dormir. Sentiu falta dos braços dele. Dos beijos dele. Ouviu os passos do banheiro à cozinha. Da cozinha à sala. Da sala ao quarto, passando pela porta. Riu baixo, virou-se de lado.

Ele trupicou e de uma topada na porta, xingou baixo. Ouviu uma risada, mordeu o lábio inferior. Ignorou. Entrou no quarto e a observou de lado por alguns segundos – sorriu. Apoiou a bandeja sobre o edredom, sobre a cama.

Ela se mexeu, entreabriu os olhos, piscou várias vezes. O observou com os olhos semicerrados, sem camisa. Tomou cuidado para não derrubar a bandeja com os pés. Acompanhou a linha da coluna dele, de costas, e sentiu o ar tocar seu rosto.

Ele deu as costas, entreabriu a janela deixando a brisa da manhã varrer o quarto. Junto dela, o quarto se iluminou. Ele coçou a nuca, virou-se para a cama, seus olhos encontrando os dela, semicerrados. Sorriu.

Ela sentou-se na cama.

Ele sentou-se na cama.

Ela estendeu a mão.

Ele pegou a mão.

Ela se aproximou.

Ele a trouxe para perto.

Beijaram-se.

Gosto de pasta de dente.

terça-feira, outubro 27, 2009

E Se Eu Pudesse



“E se eu pudesse, abriria o oceano com um gesto brusco das minhas mãos. Regurgitaria uma estrada de pedras, daquelas que carregamos no peito, e por sobre elas atravessaria estreitos ao ritmo dos ventos. Seria guiado pelas estrelas que vejo em seus olhos até o outro lado. Até o seu lado. Então, lado a lado, tomaria as suas mãos de veludo e beijaria com os lábios salgados, me desfazendo em lágrimas – me perfazendo em algo sublime.

E se eu pudesse, moldaria o vazio das suas palavras como um artesão. Preencheria esse vão silencioso de sorrisos e cores. Incitaria a risada mais alta, o gozo mais profundo. Escutaria atentamente seus sonhos, absorvendo-os, e com um lance de mágica, uma carta de baralho, uma moeda, e tornaria-os reais em sacrifício dos meus.

E se eu pudesse, seria leve como um poema de amor. Faria da nossa vida uma canção. Nossos problemas seriam um soneto de Petrarca, nossas preocupações vãs uma rima bonita. Todas as dúvidas seriam figurativas. As perguntas seriam retóricas, a respostas seriam beijos suaves com gosto de café e cheiro de cabelo lavado.

E se eu pudesse, enxergaria todos os seus defeitos, sua singularidade. Seria calmo e tranquilo, permitiria que o tempo passasse, que o beijo durasse, que o dia raiasse, que lua surgisse, que o pássaro cantasse, e quando tudo acabasse, de mãos dadas, sorriria um sorriso ébrio como a noite escura, despertaria ao seu lado e deixaria que meu carinho embalasse seu sono.”

quinta-feira, setembro 10, 2009

Uma Carta de Amor



Fiquei inspirado com a música da Tiê, mas no final, acho que saiu bem mais depressivo do queria. HAHAHA.

“Perdão,

Se escrevo é por covardia. Medo de que ao mover os lábios as palavras saiam carregadas de ironia. Medo de rir, ou sorrir, e fazer com que tudo o que eu tenho a dizer soe como mais uma brincadeira. Ou pior, de que a voz não saia, que a mente – confusa – troque o sentido daquilo que eu tanto ensaio para dizer.

Eu acredito nas cartas. No romance. Na conquista. No primeiro beijo. No amor. Acredito no tempo, que movimenta tudo e em algum momento faz com que as coisas se encaixem, pareçam certas. Acredito no mundo que gira e que, com isso, nos confunde com a tontura de infinitas possibilidades que parecem sempre melhores do que aquelas que já se apresentaram.

Tenho vergonha de repetir meu pedido de desculpas todas as vezes que te magôo ou te machuco quando tudo o que quis desde o primeiro momento foi cuidar para que você contabilizasse mais sorrisos que lágrimas, mais suspiros que soluços. Meus erros são constantes e tolos, eu sei. Mas são os erros de quem, ao seu lado, perde os sentidos – flutua. Você invadiu o meu quarto sem bater e mexeu nas minhas coisas, ocupou um espaço na minha cama, na minha vida, sem pedir licença, e eu não entendi como lidar com isso.

Você é uma surpresa – e dizem, as melhores coisas o são. Mas eu nunca soube brincar disso. Traço planos, crio metas e me foco em conseguir as coisas que me proponho - em seguir pela estrada que eu escolhi sem détour. Você veio como o vento, bagunçou meus cabelos e me chamou para seguir em outra direção, me tirou do chão. E eu, eu tenho medo de cair a qualquer hora, quando vento virar brisa, e a brisa não for suficiente para me manter no alto.

Eu te adoro. Se amar é aquilo que todos dizem, não é suficiente pra expressar meu sentimento. Te adoro como quem louva, quem se dedica sinceramente à outro. Como quem te tem como parte mais importante daquilo que sou, e que acredito.

E é por isso que parto.

Ou por isso, ou por medo. Por insegurança. Por saber que eu não sou o suficiente – que eu não sou surpreendente, que em breve o pouco que em mim te atrai vai se esvair. Que as minhas canções, que os meus conceitos, que as minhas piadas e a sua vontade de querer fazer com que tudo dê certo não vão bastar para sustentar nosso relacionamento. Eu te daria tudo, mas o que você precisa é mais do que o que eu tenho para dar.

Minha vida é como um rio, que partiu de uma nascente modesta para desaguar no mar que é você, e depois de fazer parte dele, chegou a hora de evaporar para desabar como chuva em outro lugar, seguir por outro leito e encontrar um lago para descansar.

Essa não é uma despedida, é uma carta de amor.

No futuro, quando eu não estiver mais por aqui, meu epitáfio irá dizer: aqui jaz alguém que amou você.

Porque para quem amou alguém, todo mundo é você.

Com carinho,

Theo.”

sábado, agosto 29, 2009

Use Somebody



Sempre acreditei no poder da troca entre as pessoas. Cada relacionamento estabelecido rende uma parceria diferente, uma troca diferente, e é isso que faz de cada contato social único da sua própria forma.

Algumas trocas são positivas, outras nem tanto. Algumas pessoas tomam de você o que você tem de melhor, e dão em troca muito pouco. Outras, com dedicação e carinho, acabam dando muito mais do que você esperava receber delas.

De qualquer maneira, conforme essa relação se desenvolve, vamos mudando também um pouquinho de nós mesmos. Aprendendo com nossos erros, com nossos acertos. Somando as influências daqueles que nos cercam e absorvendo algumas delas para nós mesmos – piadas, costumes, hobbies, estilos, comportamentos, conhecimento, seja o que for.

A projeção dessas influências é que nos transformam em pessoas diferentes. Somados aos acontecimentos do dia a dia – da vida, per se – é o que resulta em nossas mudanças de comportamento, de atitude – nosso amadurecimento, ou o que seja.

Aos poucos nós vamos nos distanciando do que éramos antes, lá no começo. Da forma como pensávamos, da forma como agíamos. E eu percebo, em mim, essas mudanças na forma com que eu lido com as minhas trocas.

Meu amadurecimento pessoal passa pelas minhas amizades e a forma com que eu lido com todas essas questões.

É bom saber que amizades antigas podem ser restabelecidas, que antigos amores podem virar amizades, que novos amigos podem ser grandes amigos, sem substituir aqueles que vieram antes deles, e que aqueles que vieram antes não deixam de ser importantes porque são trocas mais antigas – porque essas pessoas também as suas próprias relações, e se modificam com elas assim como você, crescendo.

Havia uma época em que eu simplesmente enjoava das pessoas. De uns anos pra cá, eu aprendi a escolher as pessoas das quais eu devo me cercar, pessoas que não importa o que aconteça, eu sei que nunca vou enjoar.

terça-feira, agosto 25, 2009

Timidez


Entrou. Som - alto. Barulho. Conversa. Parou. Olhou. Ouviu. Respirou. Comentou. Todos - riram. Riu - também. Caminhou. Empurrou. Abriu - espaço. Olhou. De novo. De novo. Coçou - a nuca. Dançou. Bebeu. Percebeu. Encarou. De novo. De novo. De novo. Baixou - a cabeça. Riu. Bebeu. Ofegou. Foi. Não foi. Colocou - a mão. No bolso. Dançou. Tropeçou. Mordeu - o lábio. Olhou - ao redor. Bebeu. Riu. Percebeu. De novo. Ainda - lá. Sorriu. Lábios - secos. Mão - molhada. Água. Cerveja. Bebeu. Ergueu - os olhos. Luz. Som. Movimento. Vontade. De fazer - xixi. Encarou. De novo. Arqueou - a sobrancelha. Respirou - fundo. Foi. Não foi. Respirou - fundo. Entreabriu - os lábios. Falou. Não falou. Gemeu. Resmungou. Ficou - em silêncio. Dançou. Riu. De - si mesma. Jogou - os cabelos. Prendeu - os cabelos. Decepcionou - se. Dançou. Riu. Sem - vontade. Respirou - fundo. Foi. Embora.

Queria dizer – podia.

Podia falar – queria.

Sabia dizer – não ia.

Não ia falar – sabia.

segunda-feira, agosto 10, 2009

My Generation



Como cinéfilo que sou, eu acredito no poder cultural e intelectual dos filmes, séries e animações. Entendo que existem obras audiosvisuais para diversão, para dar risada, filmes para ver com a namorada, mas também existem filmes e séries inteligentes e capazes de transmitir uma mensagem, uma filosofia ou, o ponto onde eu quero chegar – definir uma geração.

Quando eu digo definir uma geração posso causar algum tipo de dúvida, dado o termo inglês utilizado costumeiramente “defined our generation”, mas em sentido diferente – existem filmes que são predecessores de uma geração e que de alguma a influenciam e existem filmes que vêm depois dessa geração já construída para falar sobre ela. O primeiro tipo é o “defined our generation”, o segundo é o que eu digo que “define uma geração” – porque ele a conceitua, exemplifica, demonstra e pontua.

Para ilustrar melhor, vou dar três exemplos do que considero obras que definem uma geração: o filme Clube dos Cinco, o musical R.E.N.T e a série Dawson’s Creek, e uma série considerável de outros.

Essas três obras, por mais distintas que sejam, tem uma coisa em comum – que considero ser o mais importante em uma obra desse tipo:

O trabalho com os personagens.

Mais do que qualquer outra trama que possa existir, mais do que a mensagem sobre homossexualismo e drogas de RENT, por exemplo, está a construção cultural dos personagens e a veracidade que é aplicada a eles – é possível ao telespectador se projetar dentro do grupo de amizades dos personagens, tê-los como reais ou identificá-los, as vezes, dentro dos nossos próprios grupos sociais.

Eu sou um apaixonado por personagens – sempre fui. Não me considero e nem nunca vou me considerar um bom escritor, mas adoro construir, estudar e dar vida a personagens – um pouco egocêntrico, quase como brincar de deus. Acho que tenho uma facilidade em perceber e construir arquétipos, e meu gosto por tentar entender e por observar as pessoas faz com que os personagens que eu crie se tornem verossímeis e representantes da minha realidade, da minha geração.

Essa é a principal diferença dos filmes que definem uma geração. As personagens são parte dela. São arquétipos, clichês ou o que seja, que falam diretamente com aquelas pessoas que elas tentam imitar. E é através dessas personagens que se remonta e conceitua a verdadeira face daquele povo ou daquele tempo.

Quero que no futuro, se um dia eu publicar ou filmar qualquer tipo de obra, que seja uma obra com personagens “reais”, da nossa época, da nossa geração, que nós consigamos nos enxergar nos problemas e conflitos deles, nos seus comportamentos, e com isso, transportar a imitação da arte – que é a literatura ou o cinema – para algo um pouquinho mais próximo, um pouquinho mais verdadeiro.

E que se veja no material que eu produzi um pouquinho do que nós todos somos, hoje.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Amor & Ódio



- Eu estou exausta! – ela gritava, movimentando as mãos nervosamente, inclinando o corpo na direção dele de forma agressiva. Ele a observa com alguma indiferença e um ar de superioridade que a irritava ainda mais. – Não aguento mais!

- O que você quer que eu faça, o que você quer de mim, Cam? – arqueou a sobrancelha, o tom de voz não era carinhoso, ele não sabia ser carinhoso, era, ao contrário, arrogante e orgulhoso. – Você não pode acreditar que a culpa das nossas discussões freqüentes são minhas...

- Esse é o problema! Você nunca acha que nada é culpa sua, você nunca erra, você é o Sr perfeito, o Sr dono da verdade. Essa sua arrogância, essa sua prepotência... você simplesmente não sabe quando parar!

- Parar? – ele riu com o canto dos lábios em um tom irônico, o peitoral nu à mostra. Caminhou até a mesa da sala e pegou um maço de cigarros sobre a mesa. – Não estou fazendo nada, Cam... você que está totalmente descontrolada, pra variar.

- Cara...! – ela parecia descentre, levou as mãos ao rosto e cobriu-o com os dedos como quem está prestes a chorar, mas não daria mais aquele gostinho à ele – Theo... você é uma criança. Uma criança! Você é mimado, infantil... incapaz de ter uma conversa ou discussão adulta... não consigo entender COMO eu me apaixonei por uma criatura tão mesquinha e insensível.

Ele tirou um cigarro amassado de dentro do maço e acendeu com um isqueiro tipo “bic”, despretensiosamente, observando-a em silêncio por alguns instantes, ainda sustentando o sorriso irônico no canto dos lábios. Tragou e soltou a fumaça para o alto, exatamente onde sabia que a corrente de ar levaria na direção dela – que não fumava.

- Terminou? – ele murmurou, arqueando uma única sobrancelha, cretino.

Ela queria gritar. Rasgaria as próprias roupas se elas não fossem tão caras. Partiria para cima dele se ele não fosse tão maior do que ela. Ele definitivamente sabia como deixá-la irritada e estava conseguindo ir além dos limites do aconselhável para a sanidade mental e saúde física de qualquer um dos dois.

Cam saiu andando, deixando-o na sala e subiu as escadas com passadas fortes e resolutas. Entrou no quarto, a cama de casal bagunçada e os lençóis espalhados, buscou embaixo dela uma mala pequena e a abriu sobre o edredom. Abriu a porta do armário e começou a buscar qualquer peça de roupa que encontrasse pela frente e jogar para cima da cama. Parou por um segundo, esperando que ele viesse atrás dela – sem sucesso. Não escutava nem mesmo os passos dele na escada, ao contrário, ouvi o som de água corrente e talheres no piso de baixo.

Jogou mais roupas por sobre a cama enquanto era tomada por soluços intensos e vergonhosos. Tentava engolir o choro e as lágrimas torrenciais que ameaçavam escapar dos seus olhos claros. Não demorou dez minutos para terminar de jogar tudo o que havia colocado na cama dentro da mala, fechá-la e caminhar escada a baixo na mesma velocidade que havia subido. Já direcionava o corpo na direção da porta quando escutou a voz dele por trás do balcão da cozinha estilo americana ao lado da escada.

- Sabe o que eu acho? Que você é covarde. Acho que você se esconde atrás de todas essas discussões, e de todas essas ofensas, pra não admitir sua própria fragilidade e culpa nas coisas que não dão certo entre nós dois... E que na primeira oportunidade, dá chilique, arruma as suas coisas e foge, ao invés de lidar com o fato de que nós somos diferentes. Pensamos diferente. Agimos diferente. E entender que eu nunca vou mudar o que eu sou e como eu sou só pra caber no seu moldezinho de príncipe encantado...

Ela não acreditava no que estava escutando. Ele contornou o balcão e apareceu atrás dela, com um copo de suco de laranja na mão e a face impassível. Ela adiantou-se na direção dele.

- Covarde?! Covarde é você que é incapaz de manifestar qualquer sentimento, qualquer demonstração de preocupação ou de carinho que não seja com você mesmo!

Ele balançou a cabeça negativamente. – É uma pena que você pense assim, mas não sou eu que estou desistindo do nosso relacionamento. É você... Você não está me vendo com uma malinha nas mãos, está? Isso não é a maior demonstração de covardia que você poderia imaginar?

Sem pensar, ela golpeou o rosto dele com a palma da mão em um tapa forte o suficiente para fazê-lo deixar o copo de suco escorregar e tombar, quebrando-se no chão. Os olhos dele se acenderam, então, pela primeira vez, e ele fixou o olhar sobre o dela, assustador, como se fosse atravessá-la a qualquer momento.

- Obrigado por provar a sua covardia agredindo alguém que você sabe que não vai revidar.

Ela avançou novamente na direção dele, visivelmente descontrolada. Dessa vez, de mãos livres, ele a agarrou pelos pulsos. Ela passou a se debater, descontrolada, e ameaçou gritar, encarando-o e tentando se desvencilhar. Ele riu baixo, ainda com o olhar fixado no dela. Ela empurrou o corpo dele contra o balcão da cozinha americana e passou a beijá-lo com volúpia. Ele retribuiu. Ela mordeu com força o lábio inferior dele, ele riu, sem soltar os pulsos dela, o lábio com um pouco de sangue, beijou-a com intensidade e girou o corpo, colocando o dela contra o balcão, pressionando-o com o seu próprio. Soltou as mãos de Cam, que foram automaticamente para a nuca de Thom, puxando seus cabelos negros, agora com alguma gentileza.

- Eu te odeio. – escutou ela dizer baixo.

- Eu te amo. – ele disse no mesmo tom.

Voltaram a se beijar.