quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Tratado do Desencanto e do Desespero Revisitado

Uma Observação:

O Tratado do Desencanto e do Desespero foi redigido e postado pela primeira vez no dia 5 de Julho de 2005, no meu antigo blog (www.poetslair.blogspot.com). Estou revivendo o texto e postando-o aqui porque acho que é uma das minhas melhores argumentações embasadas em filosofia contemporânea, não aquela coisa velha e chata, mas algo bem mais palpável e vivível, e acho que seu significado, nesses dois anos, só receceu novos incrementos, nunca sendo diminuído e refutado. Além disso, é um dos meus melhores, se não o melhor, texto.

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Talvez a única grande falha na obra do filósofo contemporâneo André Comte-Sponville, que outrora já fora discutido e citado em meus textos seja o fato dele ignorar completamente a idéia do desencanto. Um fator importante nas relações sociais, materiais e ideológicas do ser humano. Considero de importante valia que se explique de forma singela e conceitual ao que se refere Comte-Sponville ao dizer que devemos perseguir a felicidade, desesperadamente, e seu conceito de desespero.

Para o filósofo desespero é justamente o que assim nos diz a palavra. Se gramaticalmente explorada, des pode ser reconhecido como um prefixo de negação frente à algo que já acontece, não é simplesmente a negação de uma situação inexplorada, mas uma que já acontece e deve ser abandonada; já o espero, vem do latim, e sua tradução mais conhecida para nosso idioma é a esperança. Desespero então, nada mais é, do que abandonar as nossas esperanças.

Comte acredita que o que nos impede de sermos felizes é justamente o fato de apoiarmos nossa felicidade no fato de todo tempo esperarmos que as coisas sejam melhores, esperarmos que algo aconteça, esperarmos certas condições que nos proporcionariam um efêmero sentimento de felicidade. Ele indica que sempre que esperarmos algo, esperaremos de um terceiro, ou de um fator que não podemos controlar e que pode ou não acontecer: se o fizer, excelente, no entanto o sentimento de felicidade efêmero logo perderá o lugar para uma nova esperança, como diz Schopenhauer - "Nossa vida é um pêndulo que balança entre o tédio e a infelicidade", quando temos o que queremos, nos entediamos, quando não temos, desejamos e somos infelizes. Se não acontecer, então, nos frustramos. A grande questão é que, pela situação ser resolvida sempre externamente a nós, jamais poderemos influenciar 100% na decisão, e por isso, estamos fadados ao lançar de uma moeda ao ar e a sorte do cara ou coroa quando nos apoiamos por demais na esperança.

A teoria seria perfeita se desconsiderássemos o fator do desencanto. Acredito eu, que no momento em que deixamos de lado as nossas esperanças e passamos a viver cada encontro único e singular com o mundo intensamente - Como diz Spinoza - buscando retirar dele o máximo de alegria e prazer, o que para Comte é o que gera a real felicidade - considerando a alegria como o amor, um amor por qualquer coisa e qualquer singelo momento e situação - acabamos por gerar um sentimento que é semelhante ao tédio, mas muito pior e mais intenso.

Conceituo como desencanto a perda da idealização que nos compele a agir. A esperança de um dia melhor é o fator que nos compele a levantar das nossas camas e buscar suprir as nossas faltas. Se vivemos somente a intensidade do momento com o máximo de alegria e prazer que pudermos, o que nos fará buscar esses momentos, senão esperar por eles? Ter vontade deles? Devemos levar em conta que a grande maioria das ações humanas são veiculadas através da razão, temos uma lógica para nossas atitudes e a grande maioria vive em uma estática rotina, a força racional que nos faz enfrentar a rotina e nos suceder aos encontros com o mundo é a esperança. Jamais existirá vontade de fazer, ser, existir, esperar, acontecer, sem ela.

Se abandonamos, então, nossas esperanças, nos confrontamos com o desencanto. Desencantar-se também tem seu viés interessante, é perder a ilusão de buscar as coisas idealizadas e despertar para o mundo de situações únicas, é perder o sonhar. Mas não é justamente essa a força motriz da sociedade, de qualquer civilização? O sonhar por uma vida melhor, por uma situação, ou simplesmente idealizar e sonhar por algo ilusório porém fortalecedor, como esperar que seja desenvolvida uma cura para o câncer de seu filho, ou para a solução da sua miséria quando se vive num país sem perspectivas? Não é isso que nos faz atravessar o dia e dentro desse dia aproveitar o máximo possível de tudo o que possa acontecer?

Acredito, então, que jamais devemos perder totalmente nossas esperanças, apenas limitá-las. Deixarmos de esperar pelas coisas fúteis e inexpressivas em nossas vidas: as coisas materialmente supérfulas (não as de grande valia), os fatores externos de temperatura, entre outros, e assim eliminarmos as pequenas causas da frustração cotidiana, transformando sua rotina em algo menos estressante por conta disso, e nos permitindo aproveitar cada experiência com nosso total empenho e atenção, e tirando melhor proveito de tudo o que a vida nos coloca, mas obviamente, sem perder o sonho e o encanto, nossa motivação e idealização para a vida, aquilo que nos faz levantar da cama de manhã e encarar um mundo que nem sempre é amigável e belo, com seus defeitos e problemas, e no final do dia voltar para casa vitoriosos e felizes de verdade, sem a efemeridade daquilo que é apenas desejo.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Eu sou só um, mas não sou um deles...

A referência inicial para esse post, com mais de 10 dias de atraso, é a música dos Paralamas do Sucesso, chamada Flores e Espinhos. Tem uma estrofe que diz assim: Até sermos engolidos / Pela vida sem brilho / Por nossos inimigos / Na rotina comum, e depois E mesmo que pareça tolo / e sem sentido / Eu ainda brigo por sonhos. Na verdade, essa é só uma das referências, mas a principal. Todo o CD na qual ela se encontra de alguma forma me inspirou a escrever hoje.

Eu sou só um, mas não sou um deles. Morro de medo de me tornar um deles. Uma dessas pessoas desinteressantes que cumprem uma rotina incessante de pequenos afazeres inóspitos, de rosto fechado, por todo o percurso da sua existência. Posso ser vagabundo e estar justificando minha acomodação com uma desculpa esfarrapada, mas eu simplesmente não consigo me observar vivendo uma vida normal. Trabalho, faculdade, casa, trabalho, faculdade, casa... Esperando uma sexta feira sempre distante chegar pra que eu possa realmente fazer o que eu quero, mesmo que isso seja dormir até às 8h da noite do outro dia.

Gosto da ilusão de liberdade que eu tenho, por mais passageira que seja. Eu posso sair às 3hs da manhã pra tomar um sorvete no Franz Café com meus amigos sem me sentir mal comigo mesmo. Posso faltar na faculdade com uma desculpa furada para pegar um cineminha ou assistir o jogo do Brasil com a galera. Posso ir no bar de dia de semana, dormir tarde, acordar tarde, fazer o que eu quiser dos meus dias vazios, contanto que eu, óbvio, mantenha o necessário de presença na minha única responsabilidade atual, que é a faculdade. Mas só o necessário. E tendo isso em mente, eu posso decidir quais dias são os necessários ou não e planejar meus horários. Mesmo que seja só pra perder horas e horas fazendo nada.

Eu me recuso veementemente a acordar cedo para passear com o cachorro se eu não quiser, depois ir pra academia cumprir uma rotina de musculação, ir pro trabalho cumprir metas e depois ir pra faculdade cumprir horários e voltar pra casa de obrigação cumprida. Me recuso. Eu me recuso ser dominado pelo tempo. Que ele passa, eu sei, tenho plena consciência. E ele também não volta. E é por isso que eu tenho o direito constitucional de fazer o que eu quiser com ele. Aproveitar ele do meu jeito. Eu me recuso a chegar frustrado aos 50 anos, se eu chegar, por não ter tido tempo de fazer as coisas que eu quis.

É mais ou menos por isso que quando descrevi uns posts atrás sobre o meu par perfeito existia dentro dele a característica espontaneidade. Não tenho a pretensão de dizer que tenho total domínio sobre os meus sentimentos, mas eu não quero, mesmo, me apaixonar, casar e ter filhos com uma mulher que esteja satisfeita. Satisfeita com a sua vida, satisfeita com o mundo, acomodada. Eu gosto de gente incomodada. Gente perturbada. Gente questionadora, incisiva. Gente que se recuse, como eu, a ser só mais alguém, como eles. Alguém que se submeta ao poder da rotina e do tempo e que se acostume com ele. Gente que se acostume com sua impotência, e que desista. Eu não quero desistir. É muito mais fácil ser só eu, se tiver alguém pra me apoiar. Ser diferente sozinho é complicado de mais pra qualquer pessoa.

Não importa como você gasta o seu tempo. O que importa é que ele é seu e você deve usá-lo pra se sentir bem e não para cumprir uma ordem social pré-imposta. Eu entendo perfeitamente que no momento sou privilegiado por poder gastar o meu como eu quiser, que nem todos tem os pais que eu tenho, ou a formação que eu tive, ou as facilidades e/ou dificuldades que eu encontrei e encontro, mas mesmo quando eu não puder, eu vou lutar sempre pra não deixar que essa merda toda me domine. Eu quero poder viver do meu jeito. Não quero planejar a vida para viver quando eu tiver 50 anos. Talvez por isso eu valorize tanto os gestos e iniciativas que quebram um pouco com essa rotina, que me atraiam para algo diferente, mesmo que sejam raras. E talvez por isso eu me canse e me entedie de tudo tão facilmente. Vai saber.

Eu sou só, mas não sou um deles. Espero, e desejo muito, que você também não seja.

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PS:

Vou experimentar esse negócio novo do blogger, de marcadores. Não sei como funciona, então não estranhem se tiver algo errado na hora de lerem a postagem.

sábado, fevereiro 10, 2007

Um conto moderno.

O movimento suave dos dedos foi mais do que suficiente para que a pequena ponta queimada do cigarro se desprendesse do resto e se desfizesse no ar, em cinzas, espalhando-se pelo ambiente e desaparecendo, como se nunca estivesse estado ali. Os olhos cinzentos, levemente ofuscados pela luminosidade do lugar, pareciam perdidos e moviam-se energeticamente de um lado a outro da orbe ocular, como se procurasse por algo que lhe chamasse a atenção, um refúgio aonde pudesse repousar.

Encontrou, no meio da turba que se movia de forma lasciva, em algum tipo de dança que ele intimamente considerava patética, algo que lhe valia a perda breve de alguns segundos. Levou os dedos até o canto dos lábios, massageando-os com a ponta gentilmente num movimento que parecia encobrir qualquer vestígio de malícia que o sorriso cretino pudesse ostentar, em seguida tragando da fábrica de câncer ambulante que carregava presa entre o médio e o anelar, soltando mais um tanto de fumaça para cima.

Na mão livre trazia uma long neck de urina engarrafada. Não conseguia entender como algo tão sem graça podia agradar tanta gente. O que mais o perturbava, na verdade, era o cheiro. Não era o fato de ter de ir ao banheiro de trinta em trinta minutos, enfrentando filas sem fim e pisando sobre poças de mijo para chegar até o tão almejado mictório, nem sequer o fato da bebida poucas vezes faze-lo alcançar o grau desejado no tempo necessário, não. Nada disso. O cheiro. Levou a cerveja até os lábios e deu um gole longo, sentiu a bebida em temperatura inferior ao que seria aprovável escorregar pela garganta, arranhando-a, agredindo-a, e os olhos lacrimejaram por breves momentos. Largou-a ali mesmo e caminhou na direção da pista.

Era de seu costume ver o que de errado todas as situações possuíam. Costumavam dizer que ele parecia acima de todo o resto, como que observando de uma distância segura a brincadeira que se passava na ciranda social. Diziam que ele estava sempre atento, duvidavam que algo lhe pudesse escapar do olhar sempre presente, sempre inquisitivo e provocante. A situação em que se encontrava, podia observar, não era das mais interessantes. Estava ele, deslocado de seu habitat natural e confuso como qualquer outro animal estaria. A bebida não o satisfazia e as luzes lhe feriam a vista. A música era como uma pequena e torturante britadeira ecoando prédio acima até seu andar, apartamento de janelas abertas e ele deitado na cama com o som infernal lhe invadindo os ouvidos que imploravam por paz e um pouco de descanso. Além de tudo isso, podia sentir as gotículas de suor escorrendo pelo canto do rosto, algumas vezes teimosas o suficiente para lhe cair por sobre a maçã e obriga-lo a mover a mão para limpa-la.

Mas conseguia enxergar também algumas vantagens, o som e a luz somados à bebida faziam entorpecer a mente das pessoas mais facilmente sugestionáveis. O suor escorrendo era generalizado, o que de alguma forma era agradável – ele não pareceria o único suíno no lugar. Não demorou muito para que as passadas firmes e a vontade inabalável de se locomover pelo local inundado de corpos rumo ao objetivo capturado por seu olhar causasse pequenas aberturas. Havia algo de cheiro, algo de hormônio, algo de postura. Algo que diferenciava o predador do rebanho, que identificava o líder da matilha e que fazia com que a percepção quase inexistente do ser humano ativar-se e involuntariamente fizesse-o mover-se para que o homem pudesse passar.

Sentiu uma das mãos tocar em outra. Sem demorar muito, elas escaparam e tocaram a pele crua do que seria uma cintura. Aproximou o corpo, invadiu o espaço pessoal da jovem, aquela que ele pousara o olhar minutos atrás, avistando-a no meio da pista sozinha embora rodeada de outras criaturas. Era engraçado como em momentos pouco propícios tinha visões extremamente românticas e nada compatíveis com a personalidade que gostava de mostrar, via-a como uma flor solitária num mar de cactus. Agressivos – feriam -, mas ao serem dominados possuíam uma grande reserva de água que poderia ser utilizada em casos limite de desespero.

Permitiu que deslizassem as pontas do dedo pela pele, enquanto contornava o corpo da garota, de um lado ao outro, dedilhando-a como um pedaço de seda macio. Parou atrás dela, ao lado do ombro esquerdo e aproximou os lábios do ouvido da fêmea. Sussurou algo que a fez voltar-se na direção dele com a fronte espantada, como se tivesse ouvido um segredo mortal. Ele sorriu com o canto dos lábios, erguendo-o levemente no que poderia ser considerado uma obra prima da interpretação teatral moderna. Olhou-a firmemente nos olhos, fitando-os e instigando-os, como se olhasse além.

Ela então, após alguns breves segundos, teve um estalo. Um insight sobre o que lhe fora dito. Ele estava acostumado com a demora da reação alheia. Não poderia esperar que todos tivessem o raciocínio na mesma velocidade do dele. A garota sorriu, não só com os lábios como também com os olhos. Ele achava aquilo bonito, como algumas mulheres conseguiam se comunicar não somente com os lábios e com o som, ou com o corpo, mas também e principalmente com os olhos. Era um dom, tinha certeza. Segurando-a novamente para cintura, trouxe o corpo para mais perto, junto ao dele, ainda fitando-a nos olhos. Sem resistência, ela movimentou os braços, abraçando o tronco dele, encaixando-se melhor. Fechou os olhos, esperando pelo inevitável. Ele sorriu, agora como vitorioso. Embora acostumado com a arte de dominar o parceiro, não deixava de sentir-se bem a cada nova conquista. Apressou em junta-la mais, encaixando a perna entre as dela e ousou um movimento do rosto na direção dos lábios entreabertos.

[...]

“Que merda!”.

[...]

Quando deu por si a garota já estava no chão, e ele balançava a mão algumas vezes. A mão que havia esquecido. Repetiu o insulto novamente e olhou com desdém para a jovem de braço estendido pedindo ajuda para levantar. Precisou de alguns segundos para rever o que acontecera na sua mente, a dor e então o movimento de livrar-se do abraço da garota sem muita delicadeza desequilibrando-a e deixando-a no chão, então olhou para a marca de queimadura entre o médio e o anelar, originária do cigarro que esqueceu de apagar. Bem que lembrava de alguém dizer que aquela merda ainda ia atrapalhar algo importante.

Deu as costas e voltou a caminhar na direção do bar, iria precisar de mais uma garrafa de urina gelada para sobreviver àquela noite.

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Pós-Escritos:

O conto não foi revisado e nem será. Provavelmente contém inúmeros erros de português, datilografia e concordância, mas eu não dou a mínima.

Sei que prometi uma coisa no último post, mas como eu estava inspirado pra redigir um conto - e não uma dissertação, e precisava urgente atualizar esse blog, decidi postá-lo aqui e fica por isso mesmo. Nas próximas atualizações eu juro que cumpro minha promessa inicial e falarei sobre o assunto que pedi para que pensassem.

Outra coisa, estou lançando, com um amigo, um blog novo. Chama "Soh na Cretinage". Vou adicionar o link ali do lado.

O blog tá tendo bastante acesso, mais de 150 por semana. Isso é bem, bem, bem bacana. Mesmo sendo metade gente que volta pra ver se eu atualizei duas ou três vezes na semana, o que é mais bacana ainda, porque tem gente querendo ler ;P. Vou ver se atualizo com mais frequência, ok? Comentem, por favor. ;P São os comentários que me empolgam e me fazem continuar a escrever. Simple like that.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Como anda a sua comunicação? (Texto pós Babel)

Hoje eu assisti Babel.

Não vou falar do filme, embora seja genial. Retrata não só os problemas que ele se propõe, a comunicação em si, mas também todo o conceito de ser humano – das necessidades primitivas como ir ao banheiro e fazer amor aos traumas psicológicos mais profundos. Iñaritu é sem dúvida um dos melhores diretores blockbusters com conceito do planeta. Vou falar sobre comunicação. Nada mais clichê para um cara que faz Comunicação Social na faculdade.

Eu tenho uma grande dificuldade em me comunicar com os outros. Veja bem, até mesmo com textos – que saem mais fáceis pra mim do que palavras – eu acabo sendo mal compreendido ou não sou compreendido e ponto final, como no último post. As pessoas podem até achar que eu sou extrovertido e me comunico com facilidade, às vezes é até a imagem que eu quero passar, mas na verdade é extremamente difícil – é um trabalho que requere observação e cautela. É necessário estar sempre atento.

Não acho que seja diferente com as outras pessoas. Existe uma clara e enorme dificuldade de comunicação entre as partes, tanto verbal como corporal. Isso é também culpa da over-comunication à qual somos sempre expostos. Que é retratada no filme. Somos sempre alvo de uma série de mídias que nos imbuem de informação concentrada o tempo inteiro, sejam as luzes dos outdoors de Tókio, seja a televisão e o rádio, seja a internet, seja a moda, sejam nossos distintos círculos sociais ou a vizinha fofocando no portão. São imagens, sons, vozes, cheiros, sabores, uma gama enorme de informações que nos acanham.

Absorve-se tanto que muitas vezes não sabemos filtrar o que passar a diante. O que vale a pena conversa, discutir, dialogar. O que deve ser dito, como deve ser dito. E tem todo aquele fator psicológico ou moral, não sabemos se dizer tal coisa é ofensivo, se dizer outra é constrangedor, se é um assunto que agrada, se não é. Não sabemos se podemos tocar o braço de alguém, ou falar num tom mais alto. E na escrita então! Na internet, ou escrevemos impecavelmente ou somos analfabetos, se nos corrigem logo estamos na defensiva, ou usamos o discurso como forma de intimidação.

O discurso é pelo que devemos lutar, mas é também uma forma de dominação. Já ouvi dizerem que a comunicação é um dom, mas afinal, se você passa por essa vida sem conseguir se comunicar, o que é você? Um espectro e nada mais, que não vive, passa pela vida sem saber. E a tendência é complicar mais e mais, esqueceram de colocar na regrinha da globalização que todos devem falar a mesma língua ou não há conexão. Se já é difícil pra caramba conseguir se expor e se colocar da forma com que você quer na sua própria língua, imagina em outra?! E antes do filme começar teve uma propaganda de uma escola qualquer de inglês genial, que mostrava as pessoas enrolando numa entrevista de trabalho que o cara que fez não sabia que ia ser transmitida em momento tão propício.

O que resta entender é: se vivemos numa aldeia global, porque parecemos divididos em tribos diferentes, que não conseguem uma comunicação sadia entre si? No final fazemos como, gesticulamos pra resolver nossas deficiências? Eu realmente me sinto um deficiente, até mesmo agora, por não conseguir transmitir exatamente do jeito que acho que deveria a idéia que me passa pela cabeça. Eu me sinto um deficiente por não conseguir manter na maioria das vezes uma discussão sadia com diversas pessoas sobre qualquer tipo de assunto sem passar por um pseudo-intelectual pedante, não porque eu o seja (ou que não o seja), mas porque não existe conexão ou um interesse na comunicação, ou então existe uma deficiência de uma das partes, ou a linguagem do discurso é de alguma forma incompatível com a do receptor.

Esse blog acaba sendo de alguma forma a minha válvula comunicatória de escape. Aqui posso escrever do jeito que eu quiser sem me importar com o receptor, porque são vários, um deles vai entender o discurso, tenho certeza. Mas ainda assim, me sinto deficiente. Fora daqui, é ainda pior, me sinto como um surdo-mudo num lugar cheio de luzes piscando e bocas se mexendo e me dá um desespero porque eu gostaria de entender tudo, e acabo ficando com nada, e porque eu quero dizer tudo e por mais que eu mexa a boca, tudo o que os outros escutando é nada. É como se eu visse sons e escutasse luzes.

Se quiserem saber, na minha visão, qual a moral do filme, é a seguinte: no final, não importa a língua que você fala – somos todos como surdo-mudos, com enormes dificuldades de comunicação, inundados por imagens e informações e sem saber lidar com tudo o que vemos e sentimos em nossa vida – e não importa se somos capazes de decifrar o que o outro (ou a informação) diz, se ele fala baixo e de vagar, sempre vamos entender do jeito que quisermos, sempre jogando sobre a comunicação nossos próprios e horríveis preconceitos, nossas experiências de vida, assim como nossas próprias cegas e medíocres conceituações.

Hoje eu assisti Babel – e vou dormir pensando como seria a vida se eu fosse uma cabra.

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Pós-Escritos:

Ah, o filme é nota 10. Se não assistiu, vá ver. Não vou mentir, é extenso. Nem pense em comprar coca-cola, eu tive que fazer xixi no meio. Brad Pitt numa atuação memorável, assim como o árabe com quem ele contracena boa parte do filme, e a atriz feinha do núcleo japonês é MUITO FODA, mesmo que ela esteja nua 50% do tempo.

Meu próximo post vai ser sobre auto-conhecimento. Seria bacana se vocês pensassem um pouco antes de lê-lo, então já deixo aqui algumas questões (que peço encarecidamente, deixem pra responder no próximo post, atenham-se a essa que eu considero muito importante ;P): o quão bem você pode dizer que se conhece? Você sabe do que tem medo, e é capaz de admitir? Você sabe o que é capaz de aceitar? Existem algumas coisas que você não faz de jeito nenhum? Quais? Você acha que isso de alguma forma ajuda a formar a sua moralidade, ou alguma forma de conduta ética? Existe algum meio pelo qual você aprendeu a se descobrir? Você se descobre a cada dia? Enfim... por ai vai, esse tipo de reflexão por mais óbvia que pareça é sempre muito importante! Eu prometo. Vocês sabem que o Gabs não faria vocês gastarem neurônios por nada ;P

See ya, space cowboys (and cowgirls).