sexta-feira, julho 31, 2009

Sinceramente



[A música dá tema perfeito pro texto. Fica bem mais legal. Emily Haines é a voz por trás da banda Metric, e o rosto mais conhecido do conglomerado Broken Social Scene, que tem uma música ai embaixo, embora ultimamente eles tenham se apresentado com a Feist no vocal. ]

- Nada é mais o mesmo... as coisas mudaram, eu mudei, você mudou...

A voz grave parecia mais agressiva do outro lado do telefone. Chegava cansada depois de atravessar os todos os quilômetros que separavam ele de sua interlocutora, fosse em ondas pelo ar ou atravessando satélites tão longe, orbitando como fantasmas no cobertor estrelado sobre suas cabeças.

Fez-se silêncio antes que a voz chorosa do outro lado respondesse.

- Não é possível que você tenha acreditado por um segundo que tudo ia ser igual pra sempre... que nossa relação ia ser a mesma, que o mundo ia ser o mesmo. É claro que eu mudei, que você mudou – nós crescemos, Leo... Graças a Deus! E cometemos erros, os dois... mas temos maturidade suficiente para superar o que quer que seja.

- O que eu pensava que ia ser de nós dois não é mais.

- Nós podemos ser algo diferente.

- Eu não.

- Porque? Porque, se você mesmo disse que nós mudamos... nós podemos mudar de novo, aprender, reaprender. Nós temos uma boa vida... não temos? Você é infeliz?

- Chris...

Ele respirou fundo, olhou para o céu como se tentasse enxergar o caminho que as palavras dela percorriam até chegar nele. Queria poder prever o que ela diria, o que o tempo queria, o que a vida pedia. Queria estar pronto pra lidar com o que ele sentia.

- Chris... Eu... Eu não sei. Eu não sei mais! Eu me sinto pesado, impotente...

- ...covarde – ela disse de forma ríspida e direta.

Ele pensou em se ofender, mas sabia que seria injusto. Não podia se ofender com a verdade. Ele se recordou que combinaram dizer a verdade sempre – não importasse o que – e talvez fosse esse o pacto que havia condenado a relação entre os dois. As vezes, a verdade magoava e doía mais do que a mentira. Além do mais, apenas um covarde como ele terminaria um relacionamento de cinco anos pelo telefone, separado por constelações de distância.

- É, covarde. Eu sou um covarde, sempre fui... sempre vou ser... Mas agora não. Eu te liguei porque hoje não quero ser covarde, hoje eu sei o que eu não quero, e eu não quero mais todo esse peso... eu não consigo mais respirar, me mexer... me sinto paralisado.

Deslizando a mão pelos cabelos negros, colocou a mecha da franja que lhe caia por sobre os olhos para trás da orelha. Odiava o cabelo longo, mas lembrava de como ela carinhosamente pedira para que ele deixasse crescer.

- Perdão. – a voz dela soou tão baixo que ele achou ter escutado coisas – Desculpa. – ela disse mais alto.

- Chris... – ele murmurou com pesar.

- Eu nunca quis fazer você se sentir assim, Leo. Eu juro. Eu... eu te amo.
Ele ficou em silêncio. Não um silêncio frio, mas um silêncio contemplativo. Ele pensava se ainda a amava, achava que sim, mas não do mesmo jeito. Sabia, no entanto, que ela o amava de volta e sempre, e sempre o amaria como o amou da primeira vez – essa era a vantagem da sinceridade dela. Mas não conseguia retribuir a palavra - não mais – por medo, por não sabe o que significava.

- Você me traiu. Você mudou, Chris... e mudando, você mudou em mim. Eu não posso mais. – sentiu os olhos tomados por lágrimas. – Eu sei que antes eu disse que podia. Sei que eu disse que não me importaria. Mas eu não sei lidar com isso...

- Leo...

- Esse é o problema de toda a sua sinceridade, Chris... Não que não seja nobre, não que eu não te valorize por isso, deus me livre. E eu sei o quanto é difícil pra você ser desse jeito, e o quanto você precisa brigar com você mesma... Mas eu não sou assim, eu não consigo lidar com o peso de todos os seus erros, de todos os seus sentimentos, de todas as suas críticas... É demais. Eu não sou um super-herói, meus fantasmas já são demais pra mim.

Ele começou a caminhar pela rua vazia. Podia ouvi-la chorar do outro lado, de forma baixa e resignada, de quem sabe que errou.

- Eu não sinto mais você em mim do mesmo jeito... Eu preciso... preciso de um tempo pra decidir se eu ainda consigo dizer que te amo. Sim... nós mudamos, talvez amadurecemos, temos novas experiências, novos problemas, novas dificuldades. Eu posso superar qualquer obstáculo, menos esse... Esse de não saber ao certo se quando eu disser que te amo estarei seguro. Por mais que tudo mude, meu amor por você não tem esse direito. Não pode correr esse luxo. Se ele mudar, não é mais o mesmo amor, não é o meu amor, não é o que eu quero... E eu não quero ser covarde de fingir que qualquer amor me vale igual.

quarta-feira, julho 29, 2009

Timing



- Você acredita em predestinação? Tipo, como se agente nascesse e morresse com tudo já programado, como se nossa estrada tivesse um destino certo e nós só fossemos passeando por ela, tipo telespectadores, e vivendo cada momento exatamente como ele deveria ser... sem surpresas, como um roteiro pré-definido por alguém que acha que tem o direito de brincar com a nossa história...

Ela coçou a cabeça com as unhas pintadas de um tom de pérolas, claro e agradável, que a conferiam um visual mais inofensivo do que de costume.

- Não. Eu acho que não... quer dizer, seria reconfortante, né? Saber que a culpa das coisas que agente faz, que acontecem, não é exatamente nossa e que alguém tem um plano pra você... faz as coisas parecerem mais seguras...

- E mais chatas – ele completou.

- É. Mais chatas. E sem expectativa.

- É. – ele riu. – Eu concordo. Sabe o que eu acredito?

- Sei... carpe diem e todos aqueles clichês né? – ela soou mais irônica do que de costume.

- Tenho tanta cara de clichê assim? – ele fez bico.

Ela apoiou a mão no ombro dele.

- Sabe o que minha mãe me dizia? – murmurou baixo, como um segredo.

- O que? – respondeu a pergunta retórica dela, mesmo sabendo que a resposta viria de qualquer jeito.

- Filha, nunca confia em um cara que usa xadrez.

Ele riu. Ela mordiscou de leve o lábio inferior, sorrindo. Ele estendeu a mão acariciou carinhosamente os cabelos morenos, curtos e repicados de Luiza. Gostava de tê-la como amiga.

- Sério...

- Tá, sério... no que você acredita, Arthur? – fez cara debochada fingindo interesse e arqueou as sobrancelhas.

- Eu acredito em timing. Acho que as coisas acontecem de acordo com as nossas atitudes, que nos guiam e resultam sempre em alguma coisa, mas somos nós que controlamos o tempo que isso leva para acontecer... e que podemos acertar, ou errar.

- Tá...

- Tipo, as coisas tem um certo tempo pra darem certo. Não adianta nada eu ganhar na megasena se não estiver preparado pra gastar esse dinheiro de forma adulta. Ou não adianta nada arriscar coisas importantes em um relacionamento no qual as pessoas ainda não tem maturidade suficiente. Pode não ser a hora certa, sabe?

O rosto de Luiza se fechou por alguns breves segundos, os olhos verdes agora opacos zapeavam nervosamente pelos dele como se procurasse alguma coisa ali.

- Timing? – ela repetiu baixo.

- É. Eu acho que as coisas não são predestinadas, mas para elas darem certo, tem que acontecer em um momento que as circunstâncias sejam favoráveis... Por isso que eu acho que com o tempo, qualquer coisa pode virar, é só saber qual o momento de agir.

- É... – ela murmurou baixo – pode ser. Faz sentido...

Ela ficou quieta por alguns segundos, movia os tênis all-star gastos nervosamente e observava o chão com atenção. Ela entendia o que ele quis dizer. Essa deveria ser a forma que ele encontrou, mesmo que sem querer, de dizer que achava que ainda não era a hora deles dois.

- Hey... que foi? – acariciou novamente os cabelos de Lou, o olhar preocupado procurava o dela.

- Hm...?

- Algo que eu falei?

- Ah... – ela riu baixo e sorriu amplamente, o sorriso falso que estava acostumada a ostentar quando queria fugir de alguma situação constrangedora.

- Não... não. Tava só pensando em tudo isso. Eu acho que o maior problema dessa sua teoria é que o tempo das pessoas é diferente, justamente por isso existem tantos conflitos. Se agente espera tanto o momento certo, o momento pode passar enquanto esperamos outro que pareça ainda melhor.

Ele ficou contemplativo por alguns segundos.

- Sabe? Tipo quando esperamos um buraco no trânsito pra entrar e perdemos várias chances tentando encontrar aquela que parece mais segura? De repente a abertura exata que precisamos pode demorar tempo de mais pra aparecer, ou pode nunca chegar...

- Ô loco, hein? – ele fez cara de impressionado, brincando.

Ela riu. Sabia que ele estava assustado com a seriedade da resposta dela.

- Por isso eu sou do tipo que arrisca. Eu prefiro tomar uma atitude do que esperar por uma hora que eu me sinta segura, mesmo porque, tudo o que é realmente importante e bom nessa vida tem um certo risco pra se conseguir... se não além de fácil de mais, não teria a menor graça.

- É, pode crer. – ele coçou a própria nuca, desconcertado.

Ela agora sorriu com felicidade autêntica, os dentes brancos e grandes aparecendo de um lado a outro da boca de lábios finos. Luiza se levantou bruscamente e tomou Arthur pela mão.

- De repente essa coisa de tempo me lembrou de uma coisa...

- O que? – ele se levantou também.

- Que ta no meu timing de tomar uma cerveja! Letz GO! Haha...


terça-feira, julho 21, 2009

De Música Ligera




Ella durmió
Al calor de las masas
Y yo desperté
Queriendo soñarla
Algún tiempo atrás
Pensé en escribirle
Que nunca sortié
Las trampas del amor

De aquel amor
De música ligera
Nada nos libra
Nada mas queda

No te enviaré
Cenizas de rosas
Ni pienso evitar
Un roce secreto

De aquel amor
de música ligera
Nada nos libra
Nada más queda

De aquel amor
de música ligera
Nada nos libra
Nada más queda
Nada más queda
Nada más queda
Nada más queda


Essa música me dá vontade de escrever mais um conto... vamos ver como fica.

sábado, julho 18, 2009

Post número 100!



Esse é o centésimo post do OverFlux. Fiquei pensando em fazer algum post especial, mas desencanei. Prefiro deixar um quote de alguém bem mais esperto do que eu e uma música de uma das minhas bandas favoritas. ;D

Quote by Arthur Schopenhauer, Essays of Schopenhauer, chapter 6 - on the Emptiness of Existence.

"Reflections of the nature of those above may, indeed, establish the belief that to enjoy the present, and to make this the purpose of one’s life, is the greatest wisdom; since it is the present alone that is real, everything else being only the play of thought. But such a purpose might just as well be called the greatest folly, for that which in the next moment exists no more, and vanishes as completely as a dream, can never be worth a serious effort."

segunda-feira, julho 13, 2009

La Mer


Ela despertou, levantando-se da cama king size de lençóis pretos – um fetiche bizarro dele. A porta para a sacada aberta permitia que o vento gelado do fim de tarde invadisse o quarto e esfriasse ainda mais o ambiente. Vestiu uma camiseta dele que estava largada em um canto do quarto – quase um vestido para ela, em seu metro e meio de altura. Esfregou os olhos e caminhou na direção da porta aberta.

Ele estava sentado em uma cadeira velha de balanço, uma das mãos no colo, apoiada sobre um exemplar antigo de “The Unbearable Lightness of Beeing” por Milan Kundera. A outra mão segurava um copo de Scotch “on the Rocks”. Os olhos acompanhavam o movimento das ondas do mar a poucos metros da sacada da casa de dois andares construída diretamente na areia da praia.

- Não tá com frio? – ela se aproximou, tocando com suavidade o ombro dele com uma das mãos.

- Hm? – pareceu despertar. – Não sei... agora que você me lembrou, acho que um pouco... – ele ergueu os olhos na direção dela e deu um gole rápido na bebida. Ela se aproximou e beijou delicadamente os lábios dele.

- Você não deveria estar escrevendo? Quer dizer... não foi pra isso que viemos até aqui? – ela soou preocupada. Ele demorou para responder.

- Não. Viemos aqui porque concordamos que uma viagem ia ser divertida – porque eu não sou divertido o suficiente na cidade – e talvez, para que você pudesse me ensinar a nadar e eu não vá morrer afogado na próxima vez que um dos seus irmãos decidir me dar um caldo na piscina rasa da sua casa de campo...

Ela riu.

- Obrigado.

Ele arqueou a sobrancelha.

- Porque?

- Por vir comigo. Eu sei que você odeia praia...

- Eu não odeio.

Ela apoiou as costas contra o batente que protegia a sacada de uma queda curta até a areia macia e branca.

- Claro que odeia. Você vive dizendo...

Ele interrompeu. – Eu nunca disse que odiava praia.

- Ah é? E quantos anos faz que você não vem à praia?

- Uns 10.

- Então a última vez que você viu o mar tinha 15 anos? E diz que não odeia praia!

Ele se voltou a ela, a expressão agora um pouco mais séria. Bebericou de novo do scotch e esboçou um meio sorriso irônico com o canto dos lábios.

- Eu disse que fazia 10 anos que não vinha à praia. Não tenho nada contra ela, eu aqui em cima, ela lá embaixo. Acho ela linda... meu problema é com a areia, com o sol, com a água salgada, com as pessoas de biquíni e sunga, com os frisbees, com os bichos-de-pé, com o esgoto que deságua na água, com o mijo das crianças, com as crianças, com os pais das crianças, com os vendedores de picolés, com as pipas e com os vendedores de pastel...

Ela riu de novo.

- Você não gosta de praia!

- Eu gosto do mar.

- Você nem sabe nadar...

- É por que eu gosto muito do mar.

Ela pareceu confusa. Sempre caía nas ironias dele.

- Não entendi.

- Eu gosto da sua mãe, nem por isso transo com ela.

Ela fez cara de assombrada.

- Como isso pode fazer algum sentido para alguém?

- Eu respeito o mar, por isso me mantenho longe dele. – ele riu e bocejou baixo. – Ele é incrível, o padrão das ondas, a cor de esmeralda, sua violência sutil, sua sutileza violenta, a forma como ele acaricia os banhistas ao mesmo tempo que suas correntes o puxam para si, querendo possuí-los. O mar é sentimental e imprevisível. Poderoso. Eu admiro sua magnitude, e por isso, me mantenho longe – em reverência. Entende?

- Aham... entendo. – ela gargalhou.

- O que tem de engraçado?

- Você...!

- Eu?

- É...!

Ele bebeu de novo do Scotch, a sobrancelha arqueada, intrigado.

- Porque?

- Só um escritor para falar tanta besteira sem sentido somente pra justificar...

- Justificar o que, garota?

- Que você se mija de medo do mar. E da minha mãe.


segunda-feira, julho 06, 2009

About Perfection



Ele soltava propositalmente pequenas lufadas de ar do pulmão e as observava condensar ao tocar o ar gelado de fora, hora ou outra tentando formar objetos com movimentos dos lábios. Ela escorava as costas em uma parede mal pintada e observava a meia-lua alta no céu, cercada de estrelas. Ambos estavam sentados em uma escadaria pequena, que dava em uma porta grande, em uma sala maior ainda e em um lugar cheio de pessoas - todas as pessoas, menos as que eles realmente gostariam de estar ao lado. Estas, encontravam-se do lado de fora.

Ele retirou de dentro da jaqueta preta um cigarro de maconha feito à mão - bolado, como ele o chamava, e ela nunca conseguiu entender o porque. Colocou na boca e acendeu com um isqueiro zippo estampado com a silhueta do Elvis.

- Você não acha que isso ai te faz mal, não? - ela rompeu o silêncio, olhando pra ele por alguns segundos, sem julgar, subitamente curiosa.

- Ah meu... sei lá, sabe?

- Não?

- Tipo, tem tanta coisa por aí que te faz mal... saca? Cigarro, álcool, até uns tipos de comida... Meu, tem gente que diz até que beijar na boca causa câncer. Acho que dos males todos que tem por ai, esse aqui nem é tão grande assim...

- É... pode ser. - ela pareceu divagar por alguns instantes, mas logo perdeu interesse pelo assunto - Eu não acho que ficaria com um cara que fuma maconha...

Ele tragou o cigarro o máximo que pode, prendeu a fumaça no pulmão e então soltou-a para cima.

- Você é tão decidida... né? - ele também falava sem julgar. - Tenho um pouco de inveja desse seu saber exatamente do que você gosta... e o que você quer. De traçar planos e tal... Pra mim é tão difícil.

Ela moveu cuidadosamente uma mecha de cabelo avermelhado e levemente ondulado de sobre os olhos azuis e os colocou atrás da orelha. Sorriu abertamente um daqueles sorrisos que mostram todos os dentes.

- Não é bem assim. Antes fosse. Acho que na verdade eu faço vários planos, sim... mas eu fico esperando alguma coisa que mude com todos eles, sabe? Que me tome, e me erga no ar e me deixe ao léu... flutuando... sem saber bem direito onde tudo vai parar. Assim, meio arrebatador... que eu não saiba direito como lidar.

- Tipo o amor?

- É... tipo o amor.

Ele riu baixo e tragou de novo o cigarro de maconha.

- Que?

- O que?

- Que você riu?

Ele riu de novo.

- É que eu acho que o cara que você idealiza tanto jamais vai ser capaz de te fazer sentir assim... né? Quer dizer... se você já sabe direitinho como ele é, e exatamente o que você pode esperar dele, não acaba perdendo justamente essa surpresa toda que você gostaria que acontecesse?

- Mas foi isso que eu disse...

- Foi?

- É... acho que sim...

- Então, se pá, você ficaria com um cara que fuma maconha, porque ele é que pode ser o fator surpresa que te faz flutuar rumo ao desconhecido... - ele falou em tom de ironia, brincando - e não o príncipe encantado de todos esses seus planos, perfeitinho do jeito que você imagina... Talvez esses defeitos sejam parte do que faz alguém ser surpreendente.

- Ai, Arthur... que chato! Até parece que você não faz planos, que não fica imaginando como seria a sua mulher perfeita... - ela o encarou nos olhos.

- Talvez - ele revirou os olhos, mordiscando o lábio inferior.

- E como ela seria? - ela fixou ainda mais os olhos nele, interessada.

- Incrivelmente gata!

Os dois riram, ela deu um soquinho fraco no ombro dele.

- Sério! Diz!

- Hm... é dificil. Sei lá...

Ela ficou em silêncio, atenta. Ele deu outro trago.

- Acho que a mulher dos meus planos seria uma mulher decidida, que soubesse exatamente o que ela quer e onde ela quer chegar, e que lutasse pra conseguir chegar lá – sem medo. Mas que ao mesmo tempo, soubesse valorizar o incrível, o improviso, e que topasse se arriscar a retardar um pouco os seus planos pra tentar algo que pode ser melhor. Que esteja disposta a errar um pouquinho e experimentar, tentar, e crescer com isso.


Ela baixou o rosto, corando um pouco.

- Ela seria uma mulher linda, feminina e com jeito de menina... e ainda assim mulher. Que não tivesse medo de se divertir e nem medo de enfrentar os problemas, quando necessário. Que curtisse uma festa com bebidas e dançar, mas também soubesse reconhecer o quanto é gostoso ficar sentada no frio olhando pra lua e conversando sobre filosofia. Que fosse feliz, e triste, e feliz, e triste... daquele jeito que te dá vontade de abraçar e cuidar pra sempre.

- Você é muito bobo... - ela murmurou baixo.

- É... se pá. Haha... - ele ergueu a cabeça, olhando para a lua no céu. Ela ergueu a dela, olhando para o formato do queixo dele, e como os seus lábios grossos e vermelhos combinavam com a pele pálida e os cabelos negros. - E o seu homem perfeito?

- O meu?

- É.

Ela não conseguiu controlar a mão, que lentamente se aproximava da dele, deixando roçar de leve o dedo indicador por sobre os dedos de Artie.

- Meu homem perfeito é alguém que conseguisse entender o quanto eu sou complicada e o quanto nem eu mesma me entendo, mas que gostasse mesmo é disso, da minha confusãozinha... Que não cobrasse de mim nada mais do que eu realmente sou, e posso dar, e que fosse feliz assim. Alguém que me lesse desse jeito - como uma personagem incrível de um livro ou filme de romance...

- Heroína ou vilã? - ele entrelaçou os dedos dele nos dela, olhando-a com atenção e aproximando um pouco mais o corpo.

- Acho que toda mulher é um pouco dos dois... mas tanto faz, heroína ou vilã é ponto de vista. Não é o que define uma personagem como especial ou não. - ela fechou os olhos.

Ele aproximou o rosto do dela, deixou o cheiro do perfume dos cabelos recém lavados lhe invadirem as narinas. Os seus lábios tocaram de leve a bochecha repleta de sardas. Ela entreabriu os lábios. Ele beijou de leve o canto deles e a percebeu sorrir. Deixou de lado o cigarro de maconha e a abraçou com carinho, só então realmente beijando-a. Após alguns segundos, ela afastou um pouco o rosto e murmurou em um tom brincalhão:

- Mas você vai parar de fumar maconha, né?

Ele riu e voltou a beijá-la.