Toda vez que Theo defrontava-se com um formulário de
aplicação para um emprego, um cadastro em redes sociais, uma atualização de
status de Facebook ou qualquer tipo de interação que levantava alguma questão
subjetiva sobre ele, travava. “O que você está sentindo?”, “Fale sobre você”, “Enumere
5 qualidades e 5 defeitos seus”.
Certo dia, em uma daquelas festas de família tradicionais,
reencontrou depois de ano sua tia favorita: Madalena. Maddy era a ovelha negra
da família: sofria de uma inquietação latente, nunca parava no mesmo lugar e
por isso, parecia nunca se apegar a nada e ninguém. As primeiras memórias de
Theo envolviam aquela mulher estranha e um senso de admiração e identificação
profundo. Ao cumprimenta-la, a tia olhou-o no fundo dos olhos e perguntou com
um meio sorriso no rosto “E o coração, Theo?”.
Toda tia velha fazia a mesma pergunta, ele sabia. Mas não
Maddy. Tia Maddy não era dessas. Por isso, ele estranhou, franziu o cenho e
estampou uma cara de dúvida. A mulher riu, estendeu as mãos e bagunçou os
cabelos negros do sobrinho. “Não tem problema. A hora que você souber a
resposta, tudo vai ficar mais fácil.”
Anos depois, Theo entendeu o que ela queria dizer durante
uma entrevista de emprego. A entrevistadora estampava um sorriso branco e
acolhedor do qual ele não conseguia desviar o olhar. Seus cabelos negros e
curtos balançavam suavemente no ritmo do antigo ventilador de teto. Ele
lembrava de pouca coisa desde que entrara naquela sala. Lembrava-se de sentar,
de nervosamente estalar os dedos, de gaguejar, de segurar o ar por mais tempo
que podia dentro do pulmão e de achar que seu coração tinha algum problema.
Quando a mulher arqueou a sobrancelha e perguntou com o mesmo sorriso no rosto “Então,
me fala um pouco sobre você.”, ele não pensou. Não teve dúvida. Não travou. Ele
lembrou de Tia Maddy e disparou:
“Eu tenho um problema físico sério, e ele de certa forma
molda quem eu sou. Os médicos não sabem direito o que é, mas aparentemente meu
coração soluça.”
Ela pareceu intrigada. Ele continuou.
“Meu coração soluça, o tempo inteiro. Toda vez que encontro
alguém interessante, todas as vezes que me deparo com uma experiência nova.
Toda vez que me apaixono ou que tenho meu coração partido. Toda vez que assisto
ao nascer do sol na praia. Toda vez que revejo um amigo antigo. Toda vez que
lembro de uma viagem. Toda vez que choro. Toda vez que algo que devia me marcar
acontece, meu coração pula uma batida. Eu perco o ritmo, devaneio, e a
oportunidade passa. As vezes essa batida dura segundos, as vezes dura anos. É
como um hiato temporário do ser. Eu me ausento de mim mesmo, e pronto, a vida
passou. E eu não sei como curar isso, mas agora eu sei que isso faz parte de
mim. E agora eu posso tomar alguma atitude com relação a isso. Então, porque
não esquecemos essa entrevista, e não vamos tomar um café? Assim quem sabe eu
paro de falar de mim, e você pode me contar alguma coisa sobre você.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário