terça-feira, agosto 16, 2011



Mãos no bolso, ela olhava o horizonte como se alguma coisa muito mais interessante que os olhos escuros, vermelho-irritados por alguma ansiedade da alma, que a encaravam, estivesse acontecendo.

Ele aguardava como fazia a maioria das vezes que se via nessa situação. Considerava surreal a maioria das coisas que ouvia, pensava ou dizia quando se estava sentado frente a frente com ela. Talvez fosse por isso que sempre retornava.

- Não diga que sou fria. – ela disse, em tom frio. As primeiras palavras a escapar os rubros lábios grossos que contrastavam com a pele clara. – Eu sou apenas eu. Você é apenas você. Você sente a necessidade urgente de fugir, de correr, quando as coisas não cabem dentro do seu quarto imaginário. Você precisa sempre se refugiar em algum lugar dentro de você onde ninguém pode te alcançar, e realmente consegue.

- O que você quer dizer com isso? – ele, num tom questionador, irritadiço. Covarde.

- Quero dizer que, como sempre, você é extremamente bem sucedido naquilo que decide pra você. Nesse caso, você é extremamente bem sucedido em se acovardar dentro de si mesmo, de não permitir a exposição por medo sabe lá Deus do que. – ela removeu a tampa do isqueiro elétrico com agilidade e passou a brincar com ele entre os dedos.

- E porque eu deveria me expor? Não é suficiente estar aqui? – ele deu de ombros e ousou um sorriso contrito. De lábios finos. Minguante.

- Nunca é.

- Porquê?

Ela voltou os olhos na direção dele e percebeu o sorriso minguante como uma reação assombrosa de medo disfarçado de descaso. De querer ter controle da situação.

- Porque você não pode passar a vida inteira esperando que as pessoas te vejam como você quer que elas vejam. E não pode fugir todas as vezes que alguém atravessa essa camada. Você devia dormir pelado.

- O que diabos isso tem a ver com qualquer coisa? – se mexeu na cadeira, sentindo-se desconfortável. Ela e o poder mágico de tirá-lo do foco.

- Seu sorriso não é tão significante quanto gostaria. Você não tem o poder mental de manipular objetos ou pessoas à distância, você não é um astro de futebol e nem um grande jogador profissional de poker. A maioria das pessoas não prestaria a menor atenção em você, não fosse pelo interesse de te ver nu. Então, durma pelado. Quem sabe você passa a se habituar com a idéia de que não é tão especial assim, que todos tem medo como você e a diferença é que alguns realmente ousam dizer isso em voz alta ao invés de pegar a mala e sair pela porta da frente, deixando para trás um bilhete espirituosamente sarcástico.

- Eu não sou tão bonito assim para que as pessoas queiram me ver nu.

- Mais um motivo, então. Se nem bonito você é e mesmo assim eu, que sou muito melhor que você, quero te ver nu, você não precisa ter medo de nada.

E o beijou.

Nenhum comentário: