quinta-feira, agosto 18, 2011

Olhares



Ele se movia despretensiosamente.

Escondia-se atrás de uma multidão de pessoas que seguiam as batidas do ritmo intenso e ululante da canção. Ela ecoava pelo salão, vibrando com a pele, arrepiando os pelos, aflorando emoções.

Ao olhar ao redor, por sobre os ombros das pessoas que se moviam, percebia que praticamente todas as paredes da casa se tornaram pequenos nichos de suor e beijos. Suor, esse, que escorria de forma vertiginosa das suas têmporas. O coração batia de forma acelerada, fosse pelo energético em suas mãos ou pela sensação de claustrofobia que hora ou outra tomava conta da sua mente por alguns segundos. Era costumeiro que ele precisasse concentrar-se em locais abarrotados.

Decidiu que era hora de trabalhar. Sacou da capa de proteção a máquina fotográfica: irritava-se, com freqüência, com sua profissão. Achava que hoje em dia todos que compravam uma câmera profissional automaticamente transformavam-se em fotógrafos, e isso desvalorizava o trabalho de tantos outros como ele.

Começou a fotografar algumas cenas, alguns rostos, algumas pessoas. Hora ou outra um braço, uma perna ou uma cabeça interferiam no quadro que ele buscava, mas já estava acostumado. Hora ou outra, uma mão encostava no seu corpo, mas ele aprendera a ignorá-las. No entanto, uma segurou-lhe com mais intensidade. Intensidade delicada de mulher. Ele moveu o rosto na direção da mão, já começando a pronunciar uma desculpa qualquer.

- Desculpa, não consigo te...

Ela sorriu, arqueou a sobrancelha escura e encarou-o nos olhos.

Ele parou. Balançou a cabeça.

- Desculpa, eu não te ouvi.

- Tudo bem, ninguém consegue ouvir ninguém aqui dentro. A não ser que realmente preste atenção. E, bom... normalmente ninguém tá afim de prestar atenção em muita coisa por aqui. – ela falava com naturalidade, encarando-o nos olhos.

- Verdade.

- Menos você, né?

- Menos eu? – ele franziu o cenho, cerrou os lábios e fez uma expressão de profunda curiosidade. – Porque eu seria diferente?

- Sei lá. Porque você é fotógrafo?

- Hoje em dia todo mundo é fotógrafo.

- Será? – ela soltou uma risada baixa e gostosa. – Acho que é verdade. Mas eu vi você olhando em volta, na verdade, eu também sou fotógrafa. Do meu próprio jeito.

- Ah é? E qual é o seu jeito?

- Eu fotografo com o olhar. Acho que as coisas mais importantes não podem depender de uma máquina fotográfica digital, de bytes de memória. As imagens mais importantes ficam gravadas aqui – gesticulou - no peito, e na alma.

- Faz sentido.

- É, eu sei. – ela riu de novo. Os dentes brancos e perfeitamente alinhados, o rosto vermelho de calor, e os olhos. Os olhos eram negros, como poços profundos de algum tipo de sofrimento ou angústia que ele não sabia distinguir. As curvas acentuadas formavam pequenas ameixas. Ela sustentava o olhar com a rigidez de quem sabe que o importante mesmo não é ver e sim enxergar. Ela continuou.

- Olha só, faz o seguinte. Tira uma foto minha? Só não vai colocar em nenhum site de balada. Muita exposição.

-Tudo bem.

Ela se afastou dois pequenos passos e aguardou. Ele fixou os olhos nela e os manteve ali, por um tempo incontável, uma distorção de alguém que vive em algum lugar por um longo tempo, anos, embora jamais saia do mesmo segundo.

- Pronto.

- Pronto?

- É. – ele sorriu.

Ela fez um maneio com a cabeça, deu as costas e sumiu entre ombros e braços. Cabeças e copos. E ele ficou com a foto.

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